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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Robert Dudley: "Foi uma sucessão de erros"

Desastre no golfo


Robert Dudley: "Foi uma sucessão de erros"

O CEO que assumiu a BP depois do maior vazamento de óleo da história americana admite falhas da empresa e diz que o caso levará a atividade a se tornar mais segura

Malu Gaspar e Renata Betti - Revista Veja – 09/02/2011

Desde que assumiu o comando da petrolífera inglesa BP, há três meses, o engenheiro americano Robert Dudley, de 54 anos, está incumbido da missão de reerguer os negócios e a reputação da multinacional - fortemente abalados pelo acidente no Golfo do México, em abril passado, quando uma plataforma de exploração deixou vazar mais de 800 milhões de litros de óleo no mar. Onze pessoas morreram e milhares de outras, que moram e trabalham naquela parte da costa americana, sofreram grandes prejuízos.

Na semana passada, a companhia foi alvo de novos protestos por parte dos cidadãos atingidos pelo vazamento. Eles estão indignados com o anúncio de que a companhia retomaria o pagamento de dividendos aos acionistas. Afirmam que deveriam ter prioridade e receber logo as indenizações que lhes são devidas. Na entrevista a VEJA, em que falou também sobre o etanol e o pré-sal brasileiros, Dudley se posiciona abertamente sobre o acidente: "Sei que de nada adianta repetir que somos uma empresa segura - temos de demonstrar isso na prática".

Empresários e moradores da região atingida pelo vazamento no Golfo do México estão descontentes com a demora no pagamento das indenizações. A BP vai pagar a todos?

É natural que haja gente insatisfeita num processo como esse. Estamos falando de tantas indenizações que podem chegar a 20 bilhões de dólares. Dada a complexidade da operação, depositamos esse dinheiro num fundo administrado por um executivo independente da empresa, indicado pela Casa Branca, que está ditando a ordem e o ritmo dos pagamentos. Trata-se de uma questão de tempo: a intenção é pagar a todos os prejudicados.

Quais foram, afinal de contas, as causas do acidente?

Um grupo de sessenta consultores externos produziu um relatório bastante objetivo acerca do episódio. A equipe concluiu que o desastre não foi provocado por uma única razão, e sim por uma sequência de falhas mecânicas e de problemas na engenharia da plataforma. A isso, aliaram-se maus julgamentos humanos e ainda atritos entre os funcionários das diversas companhias envolvidas na operação. Foi justamente a soma de todos esses fatores que criou o cenário para o acidente - e fez com que ele adquirisse tamanha gravidade.

O senhor poderia ser mais específico quanto às falhas?

A primeira ocorreu quando os técnicos da plataforma não souberam interpretar os testes de pressão que sinalizavam a existência de um vazamento no fundo do poço. Um erro fatal. Eles continuaram a trabalhar como se nada houvesse. Em seguida, foi o equipamento que deveria acionar o dispositivo de prevenção a explosões que não funcionou. A plataforma começou, então, a se mover. Numa situação assim, esperava-se que o sistema fechasse o buraco automaticamente, para impedir novos vazamentos. Isso também não ocorreu. A próxima etapa deveria ter sido o envio de robôs ao fundo do mar. Tentamos fazer isso, mas, novamente, não deu certo.

Não é estranho que nenhuma dessas iniciativas tenha funcionado?
Realmente não sei por que nada deu certo naquele dia.

Uma reportagem recente publicada pelo jornal The New York Times sugere que os equipamentos utilizados apresentavam problemas de manutenção e que os funcionários ainda estavam despreparados para emergências de grande porte...

O relatório técnico deixa claro que os defeitos no maquinário, que apareceram durante o acidente, não foram causados por falhas de manutenção. Quanto aos funcionários, de fato houve certa hesitação no início, mas há que considerar que a situação era extremamente atípica. A verdade é que, quando se está no olho do furacão, críticas, muitas delas infundadas, são inevitáveis. No auge da crise, alguns de nossos concorrentes vieram a público dizer que o acidente nunca teria acontecido caso eles estivessem à frente da operação, ou que teriam reagido de forma diferente numa situação dessas - afirmações precipitadas e equivocadas.

Como o senhor rebate as críticas?

Como nunca houve um desastre com características semelhantes, era impossível para qualquer um saber de forma exata o que deveria ser feito. Por isso, mesmo com 48 000 pessoas trabalhando dia e noite, estancar o vazamento consumiu três meses. Tivemos de desenvolver tecnologias e equipamentos totalmente novos - como a válvula que tampa o poço ao mesmo tempo em que desvia o fluxo do óleo. Ela foi crucial para equacionar o problema. Em circunstâncias normais, levaria dois anos para o dispositivo ficar pronto. Na emergência, executamos o trabalho em 87 dias.

Que lições a BP extraiu da tragédia?

O acidente mostrou quanto precisamos ainda avançar em nossas políticas de prevenção de acidentes. O desastre estabeleceu um novo marco para toda a indústria de petróleo. Forjou-se um consenso em torno da ideia de que, na exploração em alto-mar, o risco maior não está no fato de extrairmos óleo de águas cada vez mais profundas, mas em nossos próprios equipamentos de segurança. Os riscos de um desastre caem drasticamente quando a infraestrutura do fundo do mar é de boa qualidade. A partir de agora, surgirão novos padrões e procedimentos de segurança que certamente tornarão a atividade mais cara - mas, ao mesmo tempo, menos arriscada.

Concretamente, o que a empresa está fazendo para prevenir um novo desastre?

Implantamos um novo departamento, que reunirá os melhores técnicos com a incumbência de fiscalizar e alterar o funcionamento de dezenas de campos de petróleo que a BP opera no mundo, se necessário. O objetivo é redobrar a vigilância. Numa outra frente, vamos reforçar o treinamento dos funcionários para reagir em situações de emergência, e ainda oferecer aos executivos cursos mais completos de gerenciamento de crises. Na minha avaliação, poderíamos ter sido mais efetivos na hora de vir à luz para explicar o desastre. A companhia é de engenheiros, não temos traquejo para falar em público e, reconheço, não estávamos suficientemente preparados para lidar com tamanha repercussão. Mas a verdade é que de nada adianta ficar repetindo que somos uma empresa segura. Precisamos demonstrar isso de fato. Sei que vai levar tempo, mas tenho a convicção de que podemos reconquistar a confiança das pessoas.

O senhor assumiu a presidência da BP depois do acidente. Seu antecessor, Tony Hayward, falhou na condução da crise?

Sinceramente, é difícil dizer o que eu teria feito se estivesse no lugar de Tony. O fato é que, em meio aos ataques vindos de todos os lados, ele acabou se transformando numa espécie de para-raios. A situação ficou tão tensa que Tony decidiu desligar-se da BP, depois de duas décadas na empresa.

Visto de fora, o impacto sobre a BP foi significativo. A companhia perdeu metade do seu valor de mercado e sofreu sério prejuízo de imagem. Internamente, qual o tamanho do estrago?

Nosso pessoal, que sempre teve certo orgulho da companhia, subitamente perdeu a confiança. Era comum me abordarem nos corredores para indagar: "Vamos mesmo fechar esse poço?". Houve quem questionasse, inclusive, se não era o caso de simplesmente suspendermos as atividades de exploração em alto-mar. Eu tinha de repetir diariamente que, sim, nós iríamos tapar o buraco. Também tivemos de vender ativos no Vietnã, no Paquistão, na Venezuela, nos Estados Unidos e no Egito. Arrecadamos 15 bilhões de dólares e ainda pretendemos nos desfazer de mais 10 bilhões para chegar a um valor próximo à dívida acumulada por causa do acidente.

O governo brasileiro modificou o marco regulatório para a exploração do pré-sal, concentrando mais poder nas mãos do estado e da Petrobras. Isso dificulta o investimento privado?

A interferência do governo brasileiro já foi uma barreira num passado mais longínquo, por ser muito exacerbada. As regras estabelecidas a partir de 1998 mudaram a situação radicalmente, ao permitir que outras companhias, além da Petrobras, assumissem a operação de campos de petróleo. Graças à nova legislação, a atividade petrolífera brasileira cresceu imensamente na década passada.

O senhor não teme que o aumento da interferência estatal no pré-sal possa atrapalhar?

O governo estará de fato mais presente, mas ainda vejo um bom equilíbrio. Não creio que o setor privado será sufocado, a ponto de inviabilizar o negócio. A Petrobras, que deterá o controle de todos os campos, possui a tecnologia mais avançada do mundo para exploração em águas profundas. Qualquer companhia estrangeira desejaria tê-la como sócia, principalmente numa área em que o desafio tecnológico é tão complexo. Para efeito de comparação, se me fizessem pergunta idêntica em certos países do Oriente Médio, minha resposta seria totalmente diferente. Ali, a mão do estado é tão pesada que, em alguns casos, se tornou inviável atrair investimentos externos relevantes. Manter uma boa relação com o governo é essencial para uma empresa petrolífera. Sem interlocução adequada, seja no Brasil, seja em qualquer outro país, pulamos fora.

A BP aguarda desde 2009 uma autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para operar os campos comprados da americana Devon no Brasil. O senhor atribui a demora a questionamentos quanto à segurança de suas operações na costa brasileira?

Não acredito nisso. Tanto a Petrobras quanto a ANP enviaram técnicos para observar nosso trabalho no episódio do Golfo do México. A estatal até nos cedeu especialistas em prevenção de explosões e robôs para ajudar a investigar o que se passava no fundo do mar. O time da ANP foi a Houston, no Texas, visitar nosso centro de crises e assistiu às imagens feitas pelas catorze câmeras instaladas no local do vazamento. Tenho certeza de que tudo isso pesará em nosso favor.

O senhor acredita que os combustíveis renováveis vão suplantar o petróleo?

Haverá, obviamente, um momento em que o petróleo se esgotará, e, com essa perspectiva no horizonte, utilizaremos cada vez mais fontes de energia renovável. Só que estamos falando de uma realidade ainda muito, muito distante. Pelo menos até, digamos, 2030, o petróleo continuará abundante - e essencial. Isso porque o setor industrial crescerá em níveis muito acelerados, sobretudo nos países emergentes. Prevê-se que, daqui a vinte anos, a demanda por energia será o dobro da atual. Pode-se esperar, portanto, ainda muita pressão sobre o preço do petróleo.

Quais as perspectivas para o etanol brasileiro nesse cenário?

Acredito que estejamos diante do melhor tipo de energia renovável. O álcool extraído da cana-de-açúcar é mais barato, menos poluente e mais eficiente que o do milho, por exemplo, produzido nos Estados Unidos. O Brasil também tem uma enorme vantagem em relação aos competidores. O clima e o solo são ideais e a cultura da cana não disputa áreas com o cultivo de alimentos, como ocorre no caso americano. Isso já nos chamava atenção antes mesmo do pré-sal. De 1 bilhão de dólares que aplicamos todo ano em pesquisas sobre combustíveis renováveis no mundo, 400 milhões são destinados ao álcool brasileiro. O objetivo é desenvolver etanol celulósico (à base do bagaço da cana-de-açúcar) e, assim, criar um combustível ultrapotente que possa revolucionar o mercado.

“Alguns concorrentes disseram que o acidente nunca teria ocorrido com eles. Pois garanto que ninguém ali saberia de forma exata como proceder”.